Quando o circo reinava como uma das principais formas de entretenimento do mundo, um artista chamado P.T. Barnum teve a ideia que iria revolucionar seus negócios. Em seu circo “O Grande Show da Terra”, Barnum decidiu que os elefantes, os palhaços e os trapezistas deveriam se apresentar simultaneamente no mesmo picadeiro.
Em vez de assistir aos números em forma sequencial, o respeitável público veria tudo ao mesmo tempo, decidindo a que parte do picadeiro dar mais atenção.
Muitos anos depois, o cineasta Americano D.W. Griffith decidiu aplicar o mesmo princípio para a Sétima Arte. Foi o surgimento oficial da montagem paralela no Cinema, recurso capaz de apresentar diferentes personagens em diferentes locações de forma simultânea. E até no mesmo plano.
Essas e muitas outras histórias estão presentes no livro “The Power of Film” (“O Poder do Filme”, ainda sem tradução em português), de Howard Suber. O professor americano que foi um dos fundadores do programa de Cinema e Televisão da Universidade da Califórnia (UCLA) publicou em forma de livro alguns princípios tradicionais mais conhecidos da arte cinematográfica. O livro está estruturado em verbetes que vão de A a Z, sempre com ricos exemplos da História do Cinema Norte-americano.
Se por um lado a estrutura do livro é extremamente didática, como um grande glossário, por outro há insights muito interessantes. Um deles, é o verbete “Cenas Obrigatórias”.
O professor explica a ideia de que todo filme antecipa uma cena obrigatória que deve acontecer antes do fim da trama para satisfazer as necessidades da narrativa. Em “Cidadão Kane” (1941), por exemplo, toda a história gira em torno da busca do jornalista em descobrir o significado de Rosebud, a última palavra pronunciada no leito de morte pelo protagonista Charles Forster Kane. Essa premissa, diz o professor Suber, antecipa a cena obrigatória da descoberta final.
“Se o filme terminasse antes de responder o significado de Rosebud, hoje todo mundo ia perguntar Orson quem?”, conta Suber em referência ao diretor e ator Orson Welles.
Nesse sentido, em todo filme há um contrato tácito entre os realizadores e o publico. “É algo que garante o ‘Se você ver esse filme, você vai ver….’”, afirma Suber. “Antecipar a cena obrigatória aumenta o interesse da audiência no filme. É como assistir a um show de mágica: a gente geralmente sabe o que vai acontecer, mas não exatamente quando nem como”.
Outros verbetes:
ACIDENTES – Drama é sobre decisões e ações humanas e suas consequências. Os personagens devem ser responsáveis pelo que acontece com eles.
COMÉDIA – A tragédia constrói a tensão sobre o crescimento das ações até culminarem no clímax emocional. A comédia, por sua vez, constrói a tensão e a libera pela risada. Assim, a comédia tende a ter uma estrutura mais episódica e as risadas interrompem a performance sem interromper o pensamento.
ENGANO – Platão queria banir os contadores de histórias porque eles contavam mentiras, o que era definido como qualquer coisa que não fosse a verdade. Contadores de história praticam a arte do engano pela mesma razão que os mágicos: porque é fascinante.
FAMÍLIA – A família é também o primeiro lugar onde experimentamos tensões e conflitos entre indivíduos e as necessidades do grupo, entre desejo e dever, o mais fundamental conflito de todos.
PERSONAGEM, PODER – Nos mais memoráveis filmes populares, dois tipos de poder realmente interessam:
a) O heroi é melhor que outros personagens não porque ele tem mais poderes, mas porque ele tem maiores princípios;
b) O heroi é melhor que os outros porque ele possui algo que, em última análise, define todos os herois: força de vontade.
REALISMO – Filmes não são espelhos do mundo, mas interpretações de mundo. Filmes não são sobre realidade, mas sobre o mundo interior da história. A lógica da vida não é necessariamente a mesma lógica do Cinema. O Realismo na arte é mais um estilo do que um fato.
VINGANÇA – Vingança é uma forma primitiva de predecessor da justiça. A pessoa que procura vingança quer apenas deixar as coisas “empatadas” por conta de algo que a afetou diretamente. Justiça, no entanto, envolve uma Terceira parte que não se beneficia pessoalmente do fato.
SACRIFÍCIO – Os herois são melhores que a gente não necessariamente porque eles possuem grandes poderes, mas porque eles estão dispostos a sacrificar mais coisas que nós.
Referência:
“The Power of Film” (Michael Wiese Productions, 2006), de Howard Suber